Noções de Vigilância Sanitária pra quem é cri-cri

Esse blog vai tratar de noções de vigilância sanitária que podem ser aplicadas à vida de qualquer pessoa, de forma a alertar sobre o risco inerente ao dia-a-dia. Vai falar de normas e leis, zoonoses (o que é isso?!), compartilhar experiências, situações absurdas, e tirar dúvidas que interessam a qualquer um que preze por sua saúde e de sua família.




terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Escreveu, não leu...




Fonte: Globo.com

Quem assiste ao programa global A Grande Família sabe que o Lineu (Marco Nanini), que é veterinário, exerce a Vigilância Sanitária. Entretanto, a Vigilância Sanitária propõe muito mais do que passa a imagem do personagem estereotipado ranzinza e cri-cri.


l      Lei nº 8.080/90
            Art. 6º

 § 1º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde(...)


Pois bem. A Vigilância Sanitária é multidisciplinar, ou seja, pode e deve ser exercida por uma equipe de profissionais diversos, nos seus diversos setores, como odontólogos, médicos, médicos veterinários, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas, engenheiros de alimento, entre outros.

O Vigilante Sanitário sempre vai estar ligado à idéia do RISCO. É o básico que qualquer pessoa que deseja trabalhar na área precisa entender.  O risco está ligado justamente à prevenção de agravos à saúde. O risco constitui-se algo inerente à própria sociedade, variando de acordo com seus hábitos de vida, seus costumes e com suas próprias concepções. É portanto, um conceito que não está definido, ele varia de acordo com o contexto.


Um exemplo simples disso: o consumo do sushi, antigamente aqui em Fortaleza ninguém nem ouvia falar em sushi. De 5 anos pra cá (ou mais?) o sushi ganhou uma popularidade incrível, e passou a ser produzido em lanchonetes, restaurantes, pizzarias, supermercados e até padarias. Veio então o RISCO. O que antes não era um risco passou a ser, pois o Fortalezense passou a consumir e produzir bastante esse produto e daí vieram os AGRAVOS, os surtos alimentares envolvendo o sushi.


Enfim. Por lidar com a questão do risco, o Vigilante Sanitário torna-se cri-cri. Ele tende a entrar em um ambiente já analisando todos os riscos presentes ali, qualquer coisa que potencialmente pode ser um agravo. Então ele entra em uma padaria, por exemplo, automaticamente observando o tipo de piso, revestimento das paredes, presença de insetos, cortina de ar (você sabe o que é? explico em outro post), comportamento de funcionários, adequação ao Manual de Boas Práticas de Fabricação, etc...por isso ele percebe cheiros, odores, cores, texturas que muitas vezes passam despecebidos pelos consumidores.


Mas quem tem a idéia da Vigilância Sanitária como o personagem de Lineu, que chega na pastelaria do Beiçola (foto à esquerda) ou em algum supermercado já punindo, multando, interditando, apreendendo mercadoria, procurando arduamente o produtor ilegal de vinagrete, está redondamente enganado.


Muito embora historicamente a Vigilância Sanitária tenha exercido esse papel, atualmente, os esforços têm se concentrado muito mais na Educação Sanitária. Primeiro ensina como deve ser, depois pune se não for corrigido.




Imagens: Globo.com


É uma forma mais justa de se trabalhar. Sendo assim, a proposta da Vigilância Sanitária hoje é muito mais educativa que punitiva, visando PREVENIR, e não REMEDIAR.

 


Tô de ooolho!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Chuva, traga o meu 'denguinho'....

Chove 19,3 milímetros em Fortaleza
A previsão do tempo para toda esta terça-feira, 15, na Capital, segundo a Funceme, é de céu nublado com chuva.

Chuva é bom demais, dormir com chuva melhor ainda. Mas o transtorno que o excesso de chuva causa é bom de menos. Pior ainda: o tanto de doença que ela possibilita! Com as chuvas, a proliferação de mosquitos e a tranmissão de doenças como viroses respiratórias, grastroenterites virais, leptospirose.

E e ainda tem aquela que vem com força total: a dengue!

A dengue é causada por um vírus (um arbovírus do gênero flavivírus) e transmitida pela fêmea infectada do mosquito Aedes Aegypti (lê-se E-des E-gipti, e não A-edes A-egipti). São conhecidos 4 sorotipos desse vírus (1, 2, 3, 4). O ciclo de transmissão ocorre basicamente quando a fêmea faz um repasto de sangue infectado (ou seja, ela pica alguém que está com o vírus); daí esse vírus, se multiplica e se instala nas glândulas salivares da fêmea. Depois de mais ou menos uma semana, a fêmea está prontinha para ser uma transmissora da doença. Quando ela pica outra pessoa, há um período de incubação de 5 dias, que é quando o vírus se instala nas células-alvo e se multiplica, e logo no 6º dia aparece a febre.

A susceptibilidade a essa doença é universal, ou seja, não tem preferência por raça, status, condição social...não é uma “doença de pobre” como antes era conhecida. Aliás, vou falar um pouco depois porque que nas últimas estatísticas a dengue tem se concentrado em áreas nobres daqui de Fortaleza (você tem idéia do motivo?).

VERDADE OU MITO: Se eu pegar dengue da segunda vez é pior porque é hemorrágica?

Mito. Não é bem assim. Acontece que a imunidade específica é permanente, enquanto que a cruzada é temporária. Deixe-me explicar melhor. Se, por exemplo, você adquirir o sorotipo 1 da dengue, ficará permanentemente imune a esse sorotipo e temporariamente imune aos demais. Então, se da próxima vez que você for picado adquirir novamente esse sorotipo, não desenvolverá a doença; mas se for outro sorotipo poderá desenvolver. Deu pra entender? É nesse contexto que o risco pra evoluir pra um quadro hemorrágico aumenta. Aliás, também existe a possibilidade de a dengue ser assintomática, ou seja, não apresentar nenhum sintoma. Talvez você já tenha tido dengue sem saber (Acredita?).


A doença

Os principais sintomas são febre, dor de cabeça, dor nas articulações (“dor nas juntas”), falta de apetite, fraqueza, manchas pelo corpo. E atenção! Noticia de ultima hora: um estudo preliminar mostra que têm aprecido novos sintomas, como problemas respiratórios, irritabilidade, indisposição e coma. (Fonte: Jornal o Povo 15/02/11)


Porque não pode usar aspirina?

Porque a aspirina, apesar de ter efeito analgésico e antitérmico, também age na coagulação do sangue. No sangue, existem células denominadas plaquetas, que, em uma situação de sangramente, rapidamente se acumulam e formam uma ‘placa’ pra estancar o sangue. A aspirina diminui essa tendência de as plaquetas se unirem, e como a dengue, não raro, vem acompanhada de hemorragia, o quadro pode se complicar. O pior é nossa tendência à auto-medicação, como a dengue começa como se fosse uma simples gripe existe um risco grande de tomar aspirina sem saber se é dengue ou não.

O Mosquito

Ele é caracterizado macroscopicamente pela presença de listras em suas patas, dorso e abdome, e possui duas fases de vida, uma aquática e outra terrestre. Na fase aquática, que é onde se concentram as ações de prevenção, ocorre ovo, larva e pupa (veja as fotos).

Ovo, larva, pupa e adulto. (SESA-CE)
A fase terrestre, que é a fase adulta, é a de mais dificil controle; por ser uma fase alada, as ações são apenas corretivas. Como todos sabem, a fêmea deposita seus ovos em qualquer acúmulo de água limpa; entretanto, na ausência de água limpa, eles podem se adaptar normalmente. A responsabilidade em combater a dengue não é só do governo,  através de agentes de endemias fazendo visitas às residências ou enviando os carros de  fumacê.

A responsabilidade é muito mais nossa, em eliminar qualquer (eu disse QUALQUER) possível depósito para água das chuvas ou qualquer fonte de água parada. Um jarro na sua janela é um possível recipiente para agua das chuvas, um vaso sanitário aberto de um banheiro desativado (você sabia?) é um recipiente de agua parada, garrafa de refrigerante com a boca pra cima, piscina, pneus, poço descoberto, plantas/árvores que acumulam água em suas folhas, até um balde pra coletar água de goteira ou ar-condicionado...todos são possíveis abrigos para os ovos do mosquito.


Acúmulo de lixo, pneus, balde para coleta de água, aparelho sanitário; possiveis depósitos de ovos e larvas.
(SESA-CE)


As ações para corigir isso são tão fáceis e já tão batidas que nem vale a pena citar aqui, mas infelizmente muitos continuam achando que é uma “doença de pobre” e que não corre o risco de contrair. Os maiores índices de dengue em Fortaleza são em bairros nobres, justamente porque as pessoas se recusam a receber o agente de endemias em casa. E aí confiam no fumacê, que tem eficácia bastante questionável.

Carro de fumacê. (SESA-CE)

O fumacê só serve naquela hora, no exato momento em que é liberado, matando os mosquitos adultos presentes naquele local. Mas ele não tem poder de fixação, não fica nos muros da casa, então é muito incerto que naquele momento vá conseguir abranger todos os mosquitos presentes naquele local, você não acha?

Como diriam nossos avós: 'é melhor prevenir do que remediar', e isso também se aplica à dengue e a qualquer outra doença. É muito mais eficaz eliminar as larvas e ovos do mosquito do que ficar correndo atras do mosquito voador, ainda que seja com aquelas super-ultra-inovadoras raquetes pra matar os infelizes alados eletrocutados.



Por fim, fica o estimulo ao combate à dengue. A responsabilidade é minha e sua também! Tô de ooolho!

 

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Pombo da paz?!

“Naquele momento, o céu se abriu e eis que o Espírito Santo desceu como pomba e pousou sobre ele. Então, uma voz dos céus disse: Esse é meu Filho amado, de quem me agrado” Mt 3:16-17


Dentre várias coisas que não entendo, uma delas é essa..porque um pombo? Porque Deus escolheria um pombo num momento tão divino? Não podia ser uma rolinha, um canário, uma águia, ou um papagaio? Talvez Ele tenha escolhido um pombo pra fazer analogia de como Deus, sendo tão puro, pode usar uma criatura impura, suja, e vetor mecânico de tantas doenças!

Você deve estar pensando: “pega leve, pombos são bonitinhos, são símbolo da paz e bla-bla-bla...”...mas essa eu não engulo! Como veterinária sempre passei por esse conflito, pra surpresa das pessoas que acha que se você é veterinário, tem que entender, amar, beijar e abraçar todos os animais. O meu primeiro estágio foi num laboratório de ornitopatologia (estudos das doenças em aves). Foi um tempo excelente, mas saí de lá quando estavam prestes a iniciar um projeto de pesquisa com pombos. Me livrei!

Deixando de lado os ascos pessoais e tentando ser o mais impessoal possível, vamos entender um pouco mais sobre pombos...

Os pombos são monogâmicos. Normalmente a fêmea coloca 2 ovos que demoram uns 18 dias para chocar, fazendo 2 a 3 oviposições ao ano. O filhote é alimentado com uma secreção do papo que tem a composição muito parecida com o leite, por isso é chamado "leite de pombo" (Você já tinha ouvido falar?).

Os pombos são aves migratórias, o que significa que eles andam sempre em bando e que cumprem uma rota de viagem (rota migratória), de acordo com a estação do ano. Em si, não são vilões, entretanto, devido à facilidade de encontrar alimento e abrigo nos centros urbanos, eles têm se adaptado cada vez mais, e é aí que está o problema. A alimentação disponível pra eles não é nem um pouco saudável. Se você for reparar, o bando fica sempre onde há lixo, resto de comida e acúmulo de água. Daí já se tira que eles não são tão purinhos quanto se pinta. E como tem muita comida disponível, eles se proliferam mais ainda! Entenda: o problema não é O POMBO. O problema é a GRANDE QUANTIDADE de pombos. Com essa grande quantidade convivendo de perto com o ser humano, com alimentação inadequada, a resposta é proliferação de doenças.




Os pombos transmitem doenças que são causadas tanto por fungos existentes em suas fezes secas quanto por bactérias que se transmitem ao contaminar alimentos e água. Essas doenças podem inclusive levar à morte, em alguns casos de forma bem silenciosa. Quando estão em liberdade, eles permanecem próximo às habitações humanas, causando uma porção de problemas. As suas fezes ácidas, além de sujar, podem danificar a pintura de veículos e o patrimônio histórico, e isso é só o inicio.





Pombos em restaurante frequentado por alunos da Universidade e pacientes do Hospital Universitário

O acúmulo de penas, fezes secas e restos de ninhos causa entupimentos e apodrecimento de madeira. Pior que isso, em armazéns e feiras (que é onde mais se vê esses animais), eles podem contaminar os alimentos com suas fezes e com as bactérias que transportam em seus pés (afinal, eles estão em todos os lugares). Além disso, onde há pombo, sempre há ratos, baratas e moscas, já percebeu? A lista de doenças é imensa: criptococose, histoplasmose, ornitose, salmonelose, toxoplasmose, encefalite, dermatite, alergias respiratórias, Newcastle, aspergilose e tuberculose aviária.

Dessa forma, são considerados praga urbana, sendo seu controle um problema de saúde pública. Entretanto, embora não sejam nativos do Brasil, são considerados integrantes da fauna silvestre brasileira, sendo amparados por nossa legislação. E o que isso quer dizer? Que seu controle deve ser feito por pessoas capacitadas e autorizadas, após emissão de documento declarando nocividade, por órgão da Saúde, Meio Ambiente ou Agricultura.

Esse “detalhe” configura crime ambiental qualquer tentativa de eliminação direta de pombos por pessoas comuns como eu e você. 

 
Você pode ler mais sobre essas leis em
Lei de crimes ambientais (9.605 de fevereiro de 1998)

Lei da Fauna (5.197 de janeiro de 1967)


E aí você me pergunta: a janela do meu apartamento vive cheia de pombos! Eles defecam, deixando um cheiro desagradável que me mata de vergonha das visitas e minha casa vive cheia de penas.
O que eu posso fazer pra expulsa-los dali sem cometer um crime ambiental?



Pombos no prédio do Centro de Ciências da Saúde da UFC


  1. Não alimente os pombos. A grande oferta de alimentos faz com que eles aumentem sua capacidade reprodutiva.
  2. Tente inclinar a superfície ou usar estruturas que desestabilizem o pouso (fios de nylon esticados podem servir). Pombos em geral odeiam superfícies inclinadas.
  3. Use espantalhos
  4. Vede abrigos e vãos, elimine possíveis locais pra ninho.

O que você NÃO PODE FAZER

1. Usar arma de fogo
2. Usar veneno
3. Capturar e soltar em outro local

Não havendo jeito, chame uma empresa especializada, que com certeza vai saber o que fazer.


Quer ler mais?

 Nunes, 2003. Pombos urbanos: o desafio de controle. Biológico, São Paulo, v.65, n.1/2, p.89-92.